segunda-feira, 2 de março de 2009

16 horas

O braço um pouco de lado, era difícil enxergar com tão pouca luz, mesmo assim o costume foi mais forte, 04:57...
Estava atrasado, e não conseguia se conforma com o quanto.

Pegou a vela e o fósforo...
Agora sim podia enxergar bem mais do que a fraca luz deixava antes.
Três bacias de água na cabeça e metade de meio pão amanhecido com muito café amargo, era só isso o que João precisou antes de ir saindo.

Mais uma olhada no relógio, 05:20, por um belo instante vira o quão belo estava mais aquele amanhecer...
Foi um momento fulgaz, não muito comum à ele.

"Desperta João", pensou ele enquanto as casas de tijolos, e ja alguns prédios, lhe avisavam que já havia saido de seu território...
Seu rodo e sua garrafa dali em diante não o identificariam mais como trabalhador.
Os senhores iriam olhar pelo canto dos olhos e levantar os vidros enquanto as senhoras esconderiam suas bolsas...

Chegara a área da cidade incrivelmente cedo, pois o relógio ainda marcava 06:43, talvez estivesse quebrado? Mas durante toda a caminhada o relógio fez fielmente seu digno trabalho.

Tratou logo de encher a garrafa no banheiro da lanchonete que acabara de abrir.
"Hora de trabalhar"...

Meteu a mão no bolso, 09:05 e apenas 7 moedas. Ainda bem que não tinha filhos, senão ja os teria matado de fome.
Pedir dinheiro? Nunca. Sua falecida mãe lhe ensinara a trabalhar desde cedo, pena que as outras pessoas não aceitavam o certificado da vida...

A fome começava a bater, o sol ja passava do meio do céu.
Estava sendo um bom dia Ja conseguirá o do lanche e mais umas 3 moedas.
Talvez os motoristas de barriga cheia quizessem amenizar um pouco o vazio que havia na sua...

O sinal fechou, dedo levantado... o senhor do carro grande não se manifesta, é aqui mesmo.

Joga água, passa rodo, joga mais um pouco, de novo o rodo, pronto! estava maravilhado com tão belo trabalho. Nunca havia feito mal a ninguém, fazia um trabalho que profético, o de abrir a visão do caminho para as pessoas, e mesmo assim, estas o tratavam como bicho. Agora aquele vidro havia ficado perfeito, nem uma gotícula de água restara...

Nem bem chegou perto do vidro para receber sua tão merecida recompensa e o carro avançou...

Depois de quase ser atropelado por pensar demais resolveu se concentrar mais em sua arte.

Estava agora tentando completar o da passagem de volta, eram quase 09:00hs e não podia perder o Expresso, o unico que passava perto de sua casa.
Conseguiu na ultima lavagem.

Resolveu correr para não perder o ônibus, mas ao mesmo tempo mudou de idéia ao lembrar que naquela hora, com aqueles trajes, ele só poderia ser um ladrão.

Sinal vermelho novamente, foi para a faixa mais uma vez, porém agora não iria a trabalho estava apenas a atravessá-la como qualquer outro cidadão. Seria ele igual a qualquer outro cidadão?
Seria ele igual a todo João? As vezes se imaginar igual a maioria o emocionava...

Mas o ônibus ja ia sair, tinha que se apressar, atravessou a ciclovia, o sinal ainda estava fechado do outro lado, era melhor correr.

Correu. Não tanto quanto o motorista do carro grande...
Garrafa...
Rodo...
Um corpo estendido...

Mais um João jogado ao chão, o braço em uma posição estranha e meio de lado mostrava o relógio, eram 08:57.